Seminário discute Justiça de Transição e greves como ato político de resistência à ditadura

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No seu segundo dia (27 de agosto), o seminário “Anistia 40 anos: Amarga Espera”, realizado no Auditório Nereu Ramos, Câmara dos Deputados, contou com dois painéis: “Justiça de Transição e Direitos Humanos” e “Greve como Referência para a Anistia”. O auditório ficou complemente tomado, ultrapassando (em alguns momentos) a sua capacidade.

A representação da Conape também compareceu neste dia concorrido. Estiveram presentes Idinéa Nicacio da Silva (3º vice-presidente), o diretor Xerxes Affonso Campos e a diretora executiva Cláudia Dalla Costa.

Igualmente, os dirigentes da Astape-RJ estiveram presentes: Genobre Gomes Lima (presidente), Luiz Carlos Martins de Souza (1º secretário), Adelino Ribeiro Chaves (diretor), entre outros diretores e conselheiros. Pela Abraspet-BA: Raimundo Lopes (presidente), Antonio Valente Barbosa (vice-presidente), Luciano Monteiro Campos (1º secretário), Antonio Gomes Trigueiros (2º secretário), entre outros diretores e conselheiros.

O deputado federal Helder Salomão, que preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), falou do retorno de dias sombrios na atualidade. “Passados 40 anos, os tempos obscuros estão de volta, rondando a democracia brasileira. Por isso, quero dizer que é fundamental a nossa capacidade de resistência neste momento grave por que passa a democracia brasileira”.

Sublinhou que a presença de todos, que lotaram aquele auditório, “mostra que a ideia, os ideais de uma anistia que deveria não ser irrestrita, porque beneficiou quem não precisava e não devia ser beneficiado, é uma luta que não terminou nesses 40 anos”. Disse, ainda, que o governo zomba do povo brasileiro ao defender torturador e a ditadura.

Antônio Carlos Spis (CUT) disse que “resistência” é a palavra de ordem, e que deve estar no nosso dia a dia.

Luiz Carlos Prates (o Mancha), da CSP-Conlutas, disse que não se pode aceitar a presença dos conselheiros militares da Comissão Nacional de Anistia (Ministério da Justiça). “Não podemos ser julgados por quem quer acabar com a anistia”.

Política de Transição

A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, sustentou que os agentes do Estado, da ditadura, não poderiam ser atendidos pela Lei de Anistia. “Essa lei diz expressamente que ela não se aplica aos casos de sequestro e aos casos de atentado pessoal. O que que é uma prisão ilegítima e o sumiço de um corpo senão um sequestro? O que que é um caso de violência extrema sobre os corpos senão um ato de atentado pessoal?”.

Ela lembrou que a Justiça de Transição tem diversas dimensões, entre elas a “reparação, como reconhecimento de que o Estado violou gravemente os direitos (…)”. “A construção de espaço de memória, para que todo tempo nos lembremos o que foi o terror do Estado e estejamos habilitados para lutar contra qualquer possibilidade de retorno desse cenário”.

O jornalista Emiliano José, destacou que os anistiados e anistiandos levaram àquele encontro um sentimento de esperança em prol da luta pela anistia e do povo brasileiro.

Destacou que a luta pela anistia política no país não foi uma luta pequena. “A anistia foi extraordinariamente significativa. Libertar centenas e centenas companheiros das prisões, trazer do exterior tantas (extraordinárias) lideranças que estavam no exílio, criar um novo sentimento de alegria, de mudança, que levou o fim da ditadura em 1985, e não era pouca coisa”.

O ex-deputado Nilmário Miranda destacou que a ditadura, para se instalar, teve que expulsar “os militares nacionalista, patriotas e democratas”. Lembrou que muitos militares nacionalistas defenderam a estatal Petrobras. “Muitos militares gritaram ‘O petróleo é nosso’, entre outras questões candentes em prol da soberania brasileira. Disse ter tido a honra de anistiar grande parte dos militares nacionalistas.

Ele perguntou ainda: Quem vai defender a Amazônia? Quem vai defender a Petrobras, a Embraer, a Eletrobras? Numa clara referência ao ritmo de privatizações pretendido pelo atual governo.

Sobre o tema Justiça de Transição, Nilmário Miranda resgatou que a medida veio por conta dos crimes de guerra. E no Brasil, por inspiração na Constituição de 1988. Essa ideia está sendo rompida neste momento. “Eles estão colocando em questão um processo civilizatório, para o mundo ser melhor”. “Para o tribunal internacional, tortura é o ponto central, sob o qual todos os demais crimes contra a humanidade vão procurar aprofundar”.

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, destacou que “estamos vivendo o retorno de certos preceitos”, “vivendo num governo de extrema direita”. Conclamou a todos a “sair da inércia”, bem como convidou a todos pela união em defesa da democracia.

Greve como ato político

No painel “Greve como Referência para a Anistia” foi feita uma detida discussão, questionamentos e reivindicação do caráter político das greves durante o regime ditatorial.

O deputado Vicentinho disse que o governo, na década de 1980, impediu a realização de greves. Fato que atesta o caráter político de tais movimentos grevistas.

Prudente José Silveira Mello, ex-Conselheiro da Comissão de Anistia (Ministério da Justiça), destacou que a lei sobre direito de greve é outro ato que demonstra que a greve é um ato político. Corroborou com o deputado Vicentinho, quanto ao caráter político da greve.

Lembrou que as greves eram criminalizadas de acordo com a Lei de Segurança Nacional (LSN). E mais: os sindicalistas presos respondiam processo em tribunais militares.

Para esvaziar tal tese, o atual governo federal (via ministra Damares Alves, entre outros) diz que as greves tinham apenas caráter reivindicatório trabalhista. “É uma releitura que não pode encontrar respaldo jurídico”. “É da pior qualidade, do ponto de vista jurídico e histórico”, sublinhou José Mello.

O professor e ex-reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, disse que “sem anistia não há caminho para a democracia”.

Avaliação

O diretor da Conape, Xerxes Affonso Campos, declarou que ficou com feliz em estar naquele encontro, somando forças em prol da anistia política e pela democracia no país. Disse que o governo federal, no momento, “está levando ao desgaste o ser humano, as conquistas (de mais de cem anos) do povo brasileiro. Isso é inadmissível”.

Em sua visão, o atual quadro político mostra um povo aniquilado para reagir aos ataques contra os seus direitos históricos conquistados. “O povo está aniquilado pela imprensa, vazamentos de informações erradas, e estão confusos, sem saber o que fazer”.

“Os partidos políticos precisam pensar, primeiramente, no Brasil, que está sendo arrasado, está sendo entregue, está sendo dilapidado em suas riquezas”, avaliou.

Sobre o seminário 40 anos da Lei de Anistia, Xerxes disse que o encontro trará “alguma mudança de comportamento do povo em si”.


Textos e fotos: José Carlos Moutinho (jornalista).

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