Antonio Trigueiros*
Esta é a primeira parte de uma sequência de textos que resgata um pouco da história da Petrobras. A trajetória da empresa guarda estreita vinculação com as lutas populares que, ao longo dos anos, constituíram esse fabuloso patrimônio do povo brasileiro. Trata-se, portanto de um registro extremamente oportuno, nesse momento em que a companhia enfrenta forte ataque dos interesses multinacionais.
Com a chegado do presidente Getúlio Vargas ao poder em 1930 começou um movimento no sentido de se criar novas relações entre o Estado e o sistema econômico, buscando-se o aprofundamento da industrialização de base e o redirecionamento da economia para o mercado interno visando com isso diminuir a dependência do país dos mercados internacionais. A política do petróleo e seus derivados no tempo que eclodiu a segunda guerra mundial adquire grande importância. Naquele momento não se tratava apenas em se tentar equilibrar a balança comercial, mas, sobretudo estava em jogo a dependência nacional com o suprimento de produtos básicos para o processo de industrialização do país.
As forças progressistas, incluindo os militares, passam a se preocupar com a política petrolífera. No campo militar surge a liderança do General Júlio Caetano de Horta Barbosa, primeiro presidente do Conselho Nacional de Petróleo (CNP), órgão criado pelo decreto-lei no. 395, de 29 de abril de 1938. O CNP descobriu as primeiras jazidas de petróleo na região de Lobato, na Bahia, em 1939.
Em 1943, com a saída do General Horta Barbosa do CNP, começa uma mudança significativa na política do petróleo. As propostas nacionalistas diminuem de intensidade e ampliam-se tentativas de alteração da legislação no sentido de permitir a participação do capital estrangeiro.
Em 1947 o presidente Dutra elaborou um projeto de lei sobre o petróleo em que se buscava revogar a orientação nacionalista oriunda das campanhas populares de 1938. A proposta do governo Dutra, denominada de “Estatuto do Petróleo”, tinha como princípio a abertura do setor para o capital privado, nacional e estrangeiro.
No período Dutra as discussões acirraram-se sobre a política petrolífera. Na vanguarda desse movimento estavam a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Clube Militar e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O Clube Militar convidou dois expoentes do movimento, os Generais Juarez Távora e Horta Barbosa para pronunciar conferências. O primeiro foi o General Juarez Távora que tinha uma posição nacionalista, inclusive foi o elaborador do código de Minas em 1934, que consagrou a nacionalização dos recursos minerais do subsolo, já nesse momento mudou de posição política e passou a defender a participação do capital estrangeiro na exploração das reservas petrolíferas. O segundo conferencista convidado foi o General Horta Barbosa. Ele afirmou na sua conferência que se o petróleo não fosse monopólio estatal seria monopólio internacional.
O executivo e o legislativo sofreram pressões dos setores populares cada vez mais organizados na defesa do monopólio estatal do petróleo. A própria maioria que sustentava o governo Dutra refez suas posições e a aprovação do “Estatuto do Petróleo” cujo conteúdo permitiria a entrada do capital estrangeiro na exploração do nosso petróleo, foi abandonada.
Com o recuo no legislativo das posições retrógradas, a “Campanha do Petróleo” sob o lema “O Petróleo é Nosso” ganhou as ruas de todo o país. Já a partir de abril de 1948 foi criado o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPREN), cujos presidentes de honra foram o general Horta Barbosa e o ex-presidente Arthur Bernardes.
Como sempre o inimigo principal da campanha “O Petróleo é Nosso” foi a “Grande Imprensa Nacional”. Havia, também, hostilidade policial em decorrência do apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) posto na ilegalidade em 1947. A campanha cresceu tanto tornando-se um dos temas principais na campanha presidencial de 1950.
A eleição de Getúlio Vargas para presidência criou um novo ânimo para a questão do petróleo. Os assessores da presidência Rômulo de Almeida e Jesus Soares Pereira iniciaram em julho de 1951 a elaboração de um projeto que seria enviado por Getúlio à apreciação do Congresso Nacional. A proposta consistia de uma sociedade de economia mista, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), com a participação acionária da União, Estados e Municípios, para executar a política do petróleo, projeto de lei nº 1516/1951. Na proposta constava que a União deteria no mínimo 51% das ações com direito a voto.
O deputado do PTB de São Paulo, Euzébio Rocha apresentou um substitutivo, o projeto de lei 1595/1952, onde reforçava o controle estatal sobre a Petrobrás. A inovação consistia na proibição de novas empresas, novas autorizações e novas concessões com objetivos idênticos ao da Petrobrás.
A partir deste momento até a União Democrática Nacional (UDN) passou a apoiar o projeto do governo Vargas. Como sempre a “Grande Imprensa” fez campanha muito forte contra o monopólio estatal do petróleo.
O debate foi acelerado nas ruas e finalmente a Câmara dos Deputados aprovou o projeto nacionalista enviado pelo presidente Vargas, projeto 1516/1951.
A luta pela aprovação do projeto no Senado foi muito difícil. Setores econômicos contrários ao monopólio estatal do petróleo com o apoio da “Grande Imprensa” e com apoio dos senadores Othon Mäder (UDN-PR), Plínio Pompeu de Sabóia Magalhães (UDN-CE), e Assis Chateaubriand (PSD-PA) tentavam desvirtuar as propostas nacionalistas. Do lado nacionalista do projeto destacaram-se os senadores Landulpho Alves (PTB-BA), Alberto Pasqualini (PTB-RG), Domingos Velasco (PSB-GO) e Kerginaldo Cavalcanti (PSP-GO). Na votação o senado apresentou 30 emendas ao projeto da Câmara permitindo inclusive a participação e controle do capital estrangeiro sobre o setor do petróleo.
De volta à Câmara os deputados buscaram restaurar, na medida do possível, a estrutura do projeto original com a rejeição de onze emendas aprovadas pelo Senado. A votação foi encerrada em 15 de setembro de 1953, e a redação final foi aprovada na Câmara dos deputados em 21 de setembro de 1953. Em 3 de outubro de 1953, Getúlio Vargas sancionou sem nenhum veto, a lei no 2004, que instituiu a política nacional de petróleo e autorizou a criação da Petrobrás.
* Antonio Trigueiros é Doutor em Física Atômica, aposentado e membro da Abraspet.(trigueirosbr@yahoo.com.br)
Fonte: Encarte da Edição nº 61 (Janeiro a maio de 2016), do Abraspet Notícias, publicação da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos do Sistema Petrobras e demais Empresas Estatais (Abraspet).
Nota do sítio conape.org.br: o prezado articulista também é sócio da Conape.
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