Ela é uma guerreira na busca do companheiro desaparecido
O desaparecido político Jorge Leal Gonçalves Pereira (foto) consta na obra “Brasil nunca mais”. Com emoção, Ana Neri considera este registro um verdadeiro atestado de óbito do ex-companheiro.
No dia 25/12, o petroleiro e ativista político desaparecido nos porões da ditadura militar, Jorge Leal Gonçalves Pereira (1938-1970), completaria 75 anos de idade, não fosse ele um dos inúmeros perseguidos pelo regime de exceção que se instalara.
Natural de Salvador (BA), Jorge Leal era um promissor engenheiro em início de carreira, que conseguira a proeza de passar num concurso da Petrobrás, um sonho de muitos jovens. Com um pouco mais de um ano de empresa, em 1/10/1964, a ditadura acabou com esse sonho, ao demiti-lo, a exemplo do que fez com inúmeros petroleiros que almejavam um Brasil com justiça social.
Para a ditadura, esses idealistas não passavam de bandidos e subversivos, entre muitos outros adjetivos que fazia uso para “sentenciar”, sem direito de defesa, seus adversários.
Seu corpo está até hoje desaparecido; foi visto pela última vez, em 1970, num dos cárceres do temido Batalhão da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, no Rio.
Este dado foi declarado pela ex-presa política e dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais, professora Cecília Coimbra, à ex-companheira de Jorge Leal, a anistiada (e sócia da Conape) Ana Neri Fontes Rabello Pondé.
Acompanhada de sua filha, Rosa Maria, e farta documentação, ela falou (com emoção) ao conape notícias, em 7/11, sobre sua saga em cobrar do Estado Brasileiro o paradeiro de seu ex-esposo.
Rosa Maria é a mais nova dos quatro filhos de Ana com Jorge. Rosa é médica e seus três irmãos seguiram a profissão do pai, a engenharia. Eles deram à Ana nove netos. Contudo, se uniram à mãe, em revesamento, para cobrar do Estado explicações sobre Jorge Leal.
Ana Neri, uma pedagoga muito inteligente, humilde no uso das palavras e de rosto meigo, que “esconde” dor e uma energia inesgotável na luta pela dignidade humana e pela reparação de um dano incomensurável causado pela ditadura à sua família. Ana é uma dessas pessoas que, altruisticamente, está ajudando o Brasil a resgatar sua memória e a reescrever sua história.
“A anistia política chegou como uma homenagem a Jorge. É o reconhecimento de que ele teve um papel importante, inclusive na Petrobrás” (Ana Neri)
A memória de Jorge Leal, dirigente da Ação Popular (AP), que ajudou fundar em 1962, a depender de Ana Neri e seus filhos está sendo resgatada com dignidade. Nesta edição focamos mais em Ana. E na próxima publicaremos uma matéria especial sobre a vida de Jorge Leal.
Baiana de Ipojuca, Ana Neri conheceu Jorge Leal na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na década de 1960, em plena atividade política.
Em 1970, foram para o Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, Jorge Leal foi preso pelo regime e ficou desaparecido. Ana viveu a dor do desaparecimento do esposo, bem como inúmeras dificuldades pessoais para tocar a vida e criar os filhos. Tais situações levaram-na, em 1973, a tomar a dura decisão de pedir o desquite do esposo desaparecido. Seria como se Jorge tivesse abandonado o lar. Mas, na verdade, foi a ditadura que subtraiu Jorge de todo o ambiente familiar, profissional e político. Ana precisou recorrer à Justiça; daí o desquite. Era um jogo de Xadrez.
Uma vez recuperadas as estruturas da família, ela, com o apoio dos filhos, prosseguiu na longa saga para que o Estado assumisse a responsabilidade pela morte de Jorge, bem como os reparassem de tal feito. Com a Lei de Anistia, em 1995, o Estado reconheceu a morte do ativista e reparou a família. Mas Ana Neri ainda não tinha conquistado o seu direito de anistiada política (post mortem), previsto na Lei 10.559/02, em função de ser viúva de desaparecido político (demitido arbitrariamente da Petrobrás, por perseguição política da ditadura).
Após “bater em várias portas”, Ana conseguiu chegar à Conape, onde, finalmente conquistou seu direito de anistiada política em 2008. Foi assistida pelos advogados Cláudia Dalla Costa e Wilson Souza de Carvalho, num processo de cerca de três anos.
Este feito está cheio de significados, pois a anistia política resgatou o cidadão Jorge Leal, bem como a própria Ana e seus filhos. Nesta saga contribuíram também pela redemocratização do país e o resgate de Jorge enquanto empregado da Petrobrás. Ou seja, novas páginas foram acrescidas à história política do país.
—
“A participação da Drª. Cláudia, da Conape, foi como um anjinho que apareceu na nossa vida. (…) Depois de termos vindo à Conape, as portas se abriram”. (Rosa Maria)
—
“Eu me lembro bem da primeira vez que elas vieram aqui na Conape. Me lembro de ter dito que elas vieram ao lugar certo, que nós podíamos ajudá-las”. (Drª. Cláudia Dalla Costa)
Texto e foto: José Moutinho/Conape Notícias nº 15 (nov-dez/2013)
Leia também: