Ele e seu colega de Petrobrás, Luiz Carlos Natal, presenciaram, no Dops/RJ, a prisão de membros da representação comercial da China. “Nos sentimos envergonhado com a violência cometida pelo regime contra os chineses”
Em 3/4/64, o petroleiro Abelardo Rosa Santos foi detido pela regime militar, logo que chegava à Refinaria Duque de Caxias (Reduc) para trabalhar. Foi levado para a sala do Superintendência da Reduc, que era comandada por oficial do Exército. O seu colega de refinaria e hoje de Conape, Luiz Carlos Natal, também tinha sido detido no mesmo dia. A Reduc estava ocupada pelos militares.
Eles levaram Abelardo Santos e Luiz Natal para a antiga sede da Petrobrás, na praça Pio X, no Centro do Rio de Janeiro, onde ficaram detidos por horas. Depois levados para o Dops/RJ, na Rua da Relação, no Rio. “O general Levy disse que era para prestarmos ligeiros esclarecimentos”, disse Abelardo.
No Dops/RJ, Abelardo ficou surpreso ao constatar que num salão estavam presos cerca de cinco chineses (entre 30 a 50 anos de idade), que estavam em visita ao Brasil. Eles pertenciam à comissão oficial de comércio do governo chinês. A visita dos orientais foi uma consequência das negociações Brasil-China, resultado da ida do presidente João Goulart ao país asiático. Os petroleiros viram os policiais levando os chineses (um a um) para sala ao lado e que era possível ouvir gritos de dor.
– Depois se dirigiu a nós um senhor idoso, vestindo casaco de couro, pertencente ao chamado “grupo do lanterna” e disse: “A sorte de vocês é que não fui eu a apanhá-los, senão vocês não chegariam aqui vivos. Vocês são piores que os chineses que estão aqui”.
Após essas palavras o policial levou Abelardo e Natal para as celas, sem cometer violência com eles, a exemplo do que fizeram com os chineses.
No momento em que estavam presos, Abelardo e Natal receberam a visita do ator Mário Lago, também prisioneiro no Dops/RJ. “Ele [Mário Lago] nos deu explicações como poderíamos sobreviver, entre outras palavras”.
Os estrangeiros foram levados para as celas onde se encontravam Abelardo e Natal. “Os chineses estavam revoltadíssimos e iniciaram uma greve de fome. Toda vez que chegava comida, eles viravam de costas para evitar assistir nossa alimentação e manter a disposição de prosseguir com a greve de fome. Mantiveram a greve por alguns dias, depois foram soltos e não tivemos mais notícias deles”.
Após este episódio, Abelardo não voltou mais para a Petrobrás, nem em 1985. “Não estou criticando quem voltou a trabalhar na empresa, pois a decisão de não retornar foi pessoal – eu estava trabalhando em outra empresa como diretor. Eu até tinha amizade com o então diretor de Recursos Humanos da Petrobrás, que havia manifestado a vontade de que eu voltasse para o RH. Eu não achava justo ocupar aquele cargo de chefia (de RH) 20 anos após, quando uma pessoa lá estava por ter lutado pela posição, ter sido promovido. Além do que eu estava bem na outra empresa, assim não voltei a trabalhar na Petrobrás”.
Admitido pela Petrobrás em 1957, Abelardo foi profissional especializado em “organização e método”. Ajudou a implantar várias estruturas administrativas na Reduc, no Rio Grande do Sul, fez reformas na Bahia. Na Reduc atuou como assistente de divisão de setor operacional, passou a chefe de divisão, assistente de superintendente e superintende administrativo da refinaria – abarcava áreas de serviços gerais, financeiro, organização e método, transportes –, até que o golpe militar o demitiu da Petrobrás.
Texto e foto: José Moutinho/Conape Notícias nº 21 (nov-dez/2014).