Canavarro: ativista que colocou o “sino no pescoço do gato”

Além de ativista político, o anistiado Francisco Silva Canavarro foi um homem de muitas atividades profissionais: foi do setor administrativo da Petrobrás, perseguido e demitido pela ditadura; montou negócio no ramo de móveis; atuou como jornalista no Diário da Manhã e O Globo; e gozou da honra de ter sido defendido pelo renomado jurista Sobral Pinto

Ele denunciou um esquema corrupto na Refinaria Duque de Caxias

Natural de Belém (PA), a 25/5/1935, o anistiado e ativista político Francisco Silva Canavarro, teve sua infância entre sua cidade de nascença e o Rio de Janeiro. Seu pai [José dos Santos Canavarro] era fiscal do antigo IAPC. Com orgulho, ele lembra que seu pai foi um profissional honesto (uma inspiração) e ativista político dedicado do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Contou ao conape notícias que, com a separação de seus pais, passou a viver com sua mãe e seus sete irmãos, paraenses e cariocas.

Serviu ao Exército; trabalhou no Banco Nacional, por indicação de sua madrinha, uma amiga do José de Magalhães Pinto, filho do famoso banqueiro [Magalhães Pinto]. Trabalhou como subchefe do Departamento Pessoal da Elevadores Suwiss.

Por meio da leitura de um anúncio atrativo (de página inteira de jornal), ele chegou na Petrobrás.

Dois dias após ter deixado seu currículo na portaria do jornal, a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), da Petrobrás, o  convocou para se apresentar. De sete vagas existentes, Canavarro passou em terceiro lugar no processo de admissão, para a área administrativa.

Em 1º de novembro de 1961, ele começou a trabalhar na Reduc. Trabalhou com empolgação, fez horas extras, trabalhos em finais de semana, entre outros. Foi um profissional incansável, dava duro na estatal, mas foi demitido pela ditadura militar.

O sino no pescoço do gato

Na Reduc, ele trabalhou com Aristélio Travassos (saudoso jornalista, anistiado e ex-dirigente da Conape). Tornaram-se amigos, a partir do trabalho na Seção de Contabilidade.

Aristélio descobriu que estava havendo um desvio de grande quantidade de cimento de alta qualidade, nas obras da Reduc, em troca de cimento empedrado (baixa qualidade). Aristélio e Canavarro passaram a monitorar tal esquema, bem como fotocopiaram as notas fiscais de compras, para posteriormente, com apoio do Sindipetro-Caxias, denunciar tal sinistro. O superintendente da Reduc era o general Artur Levi.

Após reunirem um número considerável de provas documentais, Canavarro concluiu que era hora de “botar o sino no pescoço do gato”, ou seja, denunciar o esquema corrupto. Esse episódio ocorreu por volta de 1962/63. Durante uma assembleia que reuniu centenas de petroleiros, em um refeitório da Reduc, Canavarro fez a denúncia.

Batendo numa pasta, disse: “Companheiros quando eu abrir esta pasta, eu não vou tirar um coelho da cartola, mas documentos [notas fiscais] que provocarão um escândalo na refinaria. (…) Companheiros, isso aqui são tantas mil toneladas de cimento bom (para concretagem) que sai da refinaria e vai para a empresa Tavares de Souza, que por sua vez retorna cimento empedrado”. O general Levi, que estava no encontro, ficou vermelho e com cara de poucos amigos.

Canavarro disse que fez tal denúncia consciente dos riscos, inclusive com uma possível demissão, pois o referido milico iria revidar. Após o término da denúncia, o general Levi disse que não admitia tal calúnia contra ele.

Ele apresentou, também, a denúncia à direção da Petrobrás (Centro do Rio – Praça Pio X), então presidida pelo advogado Francisco Mangabeira, que também viria a ser perseguido pelo golpe militar. O general acabou sendo desligado da estatal, mas retornou com o advento do golpe militar, em 31 de março de 1964.

Perseguição política

Em 30 de março de 1964, houve uma movimentação de tropa (um oficial e 15 soldados), na Reduc, leal ao presidente João Goulart (Jango). Canavarro, que pertenceu ao famoso Grupo dos Onze – “comandos nacionalistas” liderados por Leonel Brizola, em fins de novembro de 1963, que apoiava reformas de base de Jango.

Canavarro e seus companheiros formaram sete grupos dos onze (sendo um na Reduc) para resistir ao golpe, inclusive com uso de armas, caso fosse necessário, mas os planos não vingaram. As tropas da IV Região Militar, de Juiz de Fora, comandadas pelo general Mourão Filho, em 31/3/1964, ocuparam o Rio de Janeiro, inclusive a Reduc.

Com a ocupação militar, os líderes sindicais se evadiram da Reduc, para não serem presos pelos golpistas. Lamentou a não realização da resistência.

Dias depois, Canavarro foi dedurado, pelo petroleiro Paulo Gonçalves, aos milicos. Quando foi receber seu pagamento, no então Banco Bandeirantes de Descontos, no Centro do Rio, o anistiado foi preso e levado para o Dops, na Rua da Relação. Solto, no dia seguinte foi levado para outro prédio, na Avenida Almirante Barroso 90, onde foi interrogado e agredido.

De volta ao Dops, os policiais o submeteram a mais interrogatórios e acareações, inclusive o ameaçaram de morte. Foi salvo por um cabo que o acompanhava.

Após demissão da Petrobrás, passou a atuar como jornalista, juntamente com o seu amigo Aristélio Travassos. Canavarro trabalhou no Diário Carioca, O Globo, entre outros.

“Não tornes a pecar”

Nessas alturas, Canavarro já tinha sido demitido da Petrobrás, mas não tinha conhecimento. Do Dops, ele foi transferido para um prédio, na Reduc, e em seguida para um quartel do Exército, e ficou detido.

Foi solto (por habeas corpus) pela atuação do renomado advogado Sobral Pinto (ver quadro ao abaixo), defensor (intransigente) dos direitos humanos, especialmente durante a ditadura do Estado Novo e a ditadura militar.

Ao procurar o Dr. Sobral Pinto para saber sobre os honorários advocatícios, referentes à sua soltura, Canavarro tinha levado uma caneta de ouro, com dedicatória, como forma de pagamento, pois sua família (que se cotizou na compra da caneta) não tinha como arcar com os valores deste renomado profissional. Sobral Pinto respondeu: “E vocês acham que eu vou receber isto por quê? Vá e não tornes a pecar!”. No final, Canavarro tomou um cafezinho com Sobral Pinto, num bar na Rua Debret, no Rio.

Mas Canavarro continuou a atuar nos movimentos sociais, foi procurado pelo Exército mais duas vezes, mas não foi preso.

Anistia

Com o advento da Lei de Anistia, em 1979, Canavarro foi aposentado pela Petrobrás, mas sem a aposentadoria pelo INSS. Ele ingressará na Justiça para receber a aposentadoria do INSS. Atualmente recebe apenas a anistia política.

Na década de 1990, foi residir em Belém (PA), onde montou uma fábrica de móveis. Depois voltou para o Rio e ajudou na luta pela anistia dos petroleiros.

Heráclito Fontoura Sobral Pinto (Barbacena, 5 de novembro de 1893 — Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1991) foi um jurista brasileiro — ferrenho defensor dos direitos humanos, especialmente durante a ditadura do Estado Novo e a ditadura militar instaurada em 1964. Formou-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Na abertura política, no início da década de 1980, participou das Diretas Já. Esteve no histórico Comício da Candelária, quando leu o artigo primeiro da constituição nacional. (com informações do Wikipedia)

Texto e foto: José Moutinho/Conape Notícias nº 18 (mai-jun/2014)

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